RODRIGO MARANHÃO EM MERCADO DAS FLORES no TEATRO PRUDENTIAL
RODRIGO MARANHÃO no TEATRO PRUDENTIAL
Rodrigo Maranhão em Mercado das Flores
O pensamento de Rodrigo Maranhão, “ele voa leve”. Como o próprio compositor canta na confessional valsa, ela própria levíssima, “Meu Pensamento”, uma das cinco canções inéditas deste “Mercado das Flores” (Som Livre / MP,B Discos), seu quarto álbum integralmente autoral e, desta vez como os tempos pedem, que já nasce audiovisual:
“Tem deslumbramento
De olhar as estrelas
Que é um pensamento
Grande feito o céu”
Em outra música, desta vez não inédita, mas pinçada do repertório de seu grupo Bangalafumenga e já gravada pela cantora mineira Aline Calixto, o samba “Reza Forte” afirma também categórico:
“Jongo e partido
Meu samba tem raiz”.
Botar o pensamento para voar, imenso, e que isso se dê sobre melodias, harmonias, ritmos, enfim gêneros brasileiros – com ênfase naturalmente no samba moderno, pois Rodrigo é um compositor carioca, e seus gêneros afluentes, sua raiz – sempre foi uma característica de sua música, mas agora neste novo trabalho isso está ainda mais explícito, a meu ver por algumas características do próprio álbum audiovisual.
A primeira dessas características é o próprio repertório, delicadamente costurado entre cinco canções inéditas, outras quatro canções recentes, mas já lançadas por outros intérpretes, e outras cinco antigas tão marcantes que mereciam regravações, o que torna este “Mercado das Flores” uma espécie de antologia do vasto trabalho autoral de Rodrigo Maranhão. Vai de onde ele partiu: da mistura carioca de ritmos que inclui desde um “Funk dos Orixás”, também do repertório do Bangalafumenga, a diversas formas de samba, do mais popular “Mercado das Flores” (criado por Nilze Carvalho e o Sururu na Roda) ao mais moderno “Samba de Um Minuto” (consagrado na gravação de Roberta Sá) e até o diálogo com o pagode contemporâneo em “Recado” (do repertório de Maria Rita). E vai até aonde sua música chegou: a cada vez mais sofisticados diálogos do samba com seus gêneros primitivos, como o lindo jongo estilizado “Ana Luiza” (feito para a cantora Anna Ratto, em que seu pensamento voa sobre o nome Ana e os nomes de mulher), o samba de roda “Eu Não Sei Viver Sem Ela”, o samba-choro inédito “Onde Quero Estar” (em parceria com Davi Moraes) ou o também inédito ijexá “Irina”, parceria com João Cavalcanti, que participa da gravação.
Outro fator que ajuda a explicitar as intenções da música de Rodrigo Maranhão – um compositor que, a despeito de contextos, acredita e exercita fundamentalmente o potencial da canção brasileira – é o pequeno grupo que ele reuniu para acompanhar sua voz e seu violão muito pessoal, formado por três dos maiores músicos de sua geração: o pianista e acordeonista carioca Marcelo Caldi, aqui exclusivamente na sanfona (de muitos baixos); o multi-instrumentista gaúcho Pedro Franco, uma das maiores revelações entre instrumentistas dos últimos anos, aqui no bandolim; e o também multi Pretinho da Serrinha, aqui em sua primeira especialidade, a percussão. Esse trio de virtuoses se põe, no entanto, a serviço da música, de deixar as canções de Rodrigo Maranhão mais bonitas e respeitando suas características. Ouçam, por exemplo, o samba-canção “Do Avesso”, cujo bandolim de Pedro Franco dá toques sutilmente portugueses a uma canção feita originalmente para o cantor António Zambujo.
A sonoridade composta por essa inusitada formação de sanfona, violão, bandolim e percussão – que nos remete a formações brasileiras modernas como o conjunto de Radamés Gnattali, em que se destacava o som de Chiquinho do Acordeom, ou o regional liderado por Caçulinha, que acompanhava Elizeth Cardoso e Ciro Monteiro – dá um toque moderno à gravação e valoriza as composições de Rodrigo, suas melodias, suas construções harmônicas.
Um terceiro elemento fundamental deste trabalho é ele ter sido filmado. O que seria apenas um registro provocado por uma necessidade de mercado – hoje não há praticamente música sem imagem – na verdade escancara o processo criativo de Rodrigo, aproximando mais o ouvinte da sutileza das canções e dos muitos gêneros de música brasileira que elas abordam. Filmado no estúdio Visom Digital em 9 de julho de 2021 no mesmo momento em que a música era gravada ao vivo, não há um plano do álbum audiovisual “Mercado das Flores” que não seja o de um músico tocando seu instrumento. Esta concepção dos diretores Henrique Alqualo e Fernando Young (também diretor de fotografia) é seguida pela musicalíssima edição de imagens, totalmente guiada pelos arranjos, por revelar os arranjos. Dá gosto de ver, por exemplo, no inédito baião “Só Você”, parceria de Rodrigo com Marcelo Caldi, o diálogo da sanfona com os outros instrumentos, captados e editados para dar a ideia musical do grupo tocando, a essência da criação musical.
Nessa intenção de fazer um amplo painel do seu trabalho ao mesmo tempo tão autoral e esteticamente diversificado, Rodrigo recupera uma macumba, “Xangô”, feita em parceria com o especialista Leo Leobons, percussionista, e lança o delicado xote “Devaneio”, da parceria com o flautista e compositor carioca PC Castilho. Em comum, a marca autoral de Rodrigo e o gosto pela canção brasileira, seja ela de que gênero for. Como em “Meu Pensamento”, em que “ele voa leve”, em “Devaneio”, “sonhos são pássaros errantes / voam no espaço milenar”, num outro verso tão característico das canções leves e brasileiras de Rodrigo Maranhão. Como a imaginar, com o violão na mão e melodias na cabeça, “por onde vou, por onde andei / Agora sei segredos de cor / E guardarei bem dentro aqui”, dentro aqui das canções, agora reunidas dentro aqui deste álbum filmado, um depoimento da canção brasileira como ela pode ser nos dias de hoje.
SOBRE RODRIGO MARANHÃO:
Ganhador do Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira em 2006, por “Caminho da Águas”, Rodrigo Maranhão é um dos compositores mais gravados da MPB: são mais de cem músicas eternizadas nas vozes de artistas como Maria Rita, Zélia Duncan, Roberta Sá, Fernanda Abreu e António Zambujo, entre outros. Maranhão também levou o Prêmio da Música Brasileira nas categorias de “Melhor Cantor” e “Revelação do Ano” por seu trabalho de estreia, “Bordado” (2007). O cantor e compositor lançou ainda os álbuns “Passageiro” (2010) e “Itinerário” (2014). Fundador do bloco Bangalafumenga, foi professor de cavaquinho na Escola de Música Villa-Lobos, no Instituto Moreira Salles e no Conservatório Brasileiro de Música.
Duração: 90 minutos
Classificação: Livre
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